quarta-feira, 8 de junho de 2011

POR UMA ESPIRITUALIDADE ENGAJADA


(Alguns tópicos para reflexão)       






  José Luongo da Silveira (Org) 
                                                                                                                                                                                         
“Jesus nos ensinou que amar a Deus é amar os
outros, todos os outros. Este amor é dom, abandono,
sacrifício, despojamento..”     (R.  Garaudy)

“Amor, palavra que funda
e que consome os seres.(...)”   (M.  Mendes)

  1. O Monge Beneditino Marcelo Barros, no seu livro: “O Espírito vem pelas águas[1] afirma que no terceiro milênio, as Igrejas cristãs começam a se dar conta de que o mundo mudou rapidamente e que elas precisam ver de que modos tradicionais de entender e realizar a missão não funcionam mais ou cada vez são menos adequados. 
  1. Efetivamente, a Boa Nova só é Boa Nova se soubermos transmiti-la de modo inteligível e integral ao homem de hoje. E qual o contexto do mundo de hoje?  O contexto de hoje é o que chamamos de modernidade, mais precisamente a crise da modernidade e esse tem sido um dos temas mais discutidos na atualidade. E a discussão se aprofunda quando nem ao menos temos um princípio geral de definição de modernidade. O que é a modernidade (...?). Alan Touraine, na sua obra “Crítica da Modernidade” diz que não sabemos! Ela é a fusão do múltiplo, do heterogêneo, do fragmentado, do efêmero, onde se envolve atividade racional, científica, tecnológica e administrativa. Basicamente, existem duas figuras condensadoras da modernidade: a racionalização e a subjetivação. 
  1. Até pouco tempo, o conhecimento de ponta nas ciências sociais e políticas falavam dos três momentos da mudança: a Modernidade, o neoliberalismo e a globalização. A globalização, filha adulterina do neoliberalismo fala-nos em termos tais como: transnacionalização da economia, a transculturação, a desterritorialização,  reterritorialilização e multimídia. A nova era já absorveu esses paradigmas, enquanto o homem do povo se torna sujeito passivo, mero expectador, que não entende o enredo, mas assiste ao espetáculo. Apenas sabe dizer/falar o nome dos novos deuses, mas desconhece o esquema comunicativo do discurso; ele consome o pacote pronto. 
  1. Mas hoje até mesmo o chamado período da  transmodernidade ou da desconstrução de Jacques Derrida já ficou para trás. Agora, com a era da realidade digital se fala em neomodernidade e hipermoderndade, se fala num mundo multitemporal, multiespacial e multifacetado, onde se torna crescente o sentido de excrescência, de ultrapassagem dos limites da tradição, do Estado e da religião. E nesse contexto, nesse espaço caótico presenciamos a terrível fragilização do individuo. Presenciamos a sua depressão psicológica com o “desfalecimento das utopias” [2]
  1. Aqui na hipermodernidade é que está o insólito, a contradição insuperável. Era de se esperar que essa abertura para o novo nos colocasse num horizonte aberto de inclusividade, onde se agregassem novos campos de sentido, contudo, a hipermodernidade se fecha no ETNOCENTRISMO, no perigo do pensamento único na política, na filosofia e na religião. 
  1. Caminhamos para o pensamento único, para a makdonalização do mundo. O etnocentrismo que cresce na hipermodernidade é uma visão EXCLUSIVISTA do mundo, onde o nosso próprio grupo social é tomado como centro de tudo, e todos os outros são pensados e sentidos através dos nossos valores, nossos modelos, de nossas definições do que é a existência. Trata-se de uma violência simbólica, quando não é física. No plano intelectual, pode ser visto como a dificuldade de pensarmos a diferença; no plano afetivo, como sentimentos de estranheza, medo, hostilidade, no plano religioso é o renascimento da idéia de uma única religião verdadeira, etc. O etnocentrismo consiste em privilegiar um universo de representações propondo-o como modelo e reduzindo à insignificância os demais universos e culturas diferentes
  1. O monge beneditino Marcelo Barros diz: “O ‘pensamento único’ dominante inculca a inviabilidade de toda e qualquer mudança, a impossibilidade de encontrar uma alternativa, o convencimento de que estamos no melhor dos mundos e assim por diante. Como neste contexto, anunciar a Boa Notícia, o projeto de Deus, a utopia do Reino, o sonho de Jesus e assim realizar a missão?” E continua Marcelo Barros, “Neste mundo neoliberal, esta ‘paixão pelo Reino’ está expatriada e banida, como o próprio Evangelho. A missão cristã, sem acomodamentos nem adulterações, será sempre Utopia e Projeto, Paixão e Mística, luta e contemplação, compromisso e gratuidade. 
  1. No contexto da hipermodernidade, há a tendência de se desvencilhar de todas as formas de religião-instituição, cresce a mística individualista e emocional, uma espécie de “metamorfose do sagrado” [3]
  1.  Jacques Derrida, Gianni Vattimo e outros grandes pensadores contemporâneos se reuniram para passar a limpo o retorno do sagrado  na atualidade e chegaram à conclusão de que ‘a experiência religiosa é a experiência de um êxodo, trata-se da partida para uma viagem de retorno. A religião é experimentada como um retorno’ (Vattimo, p. 91). No lugar do marxismo e de sua negação da religião em geral, surgiu, porém, o ateísmo da indiferença. Isto parece ser cada vez mais o comportamento predominante das gerações mais jovens nos países industrializados. (H.-G. Gadamer, p. 223). 
  1. Por outro lado, as próprias religiões são responsáveis pelo triunfo do ateísmo e pela  “metamorfose do sagrado”. Novamente nos diz Marcelo Barros: “Qual o rosto de Deus, revelado por um cristianismo intolerante e dogmático que queimavam hereges e condenava cismáticos? Qual o rosto de Deus revela uma Igreja que fala de castigo do pecado e inferno? Que imagem a hierarquia religiosa dá de Deus quando nega a possibilidade do pessoal jovem ameaçado pela AIDS de usar preservativos ou impede os bispos da Alemanha a dar uma assistência pastoral a mulheres que abortaram? No prefácio do meu [seu] livro “O Espírito vem pelas Águas”, o bispo Sebastião Soares cita Simone Weil quando ela dizia: “eu reconheço quem é de Deus não quando me fala a respeito de Deus. Eu reconheço quem é de Deus na sua maneira de falar deste mundo” [4]
  1. Como RESGNIFICAR  hoje o Evangelho se ainda trazemos em nossas mãos o cheiro das fogueiras? E Marcelo Barros continua: “Como evangelizar os outros se nós mesmos não formos permanentemente tocados e transformados pelo Evangelho? E será que somos? Será que somos pastores que a si mesmo não se apascentam? Será que somos os fariseus de hoje? Em todos os nossos estudos parece que a espiritualidade segue depois da missão. Será que não seria o inverso,  a espiritualidade deve anteceder à missão? 
12. Parece que RESIGNIFICAR o Evangelho hoje seria necessário criar novas ÁNCORAS, ou melhor, resgatar VELHAS ÁNCORAS. Assim, uma espiritualidade engajada: começa pelo trabalho da renovação interior que não se dá apenas por esforço pessoal. É ação divina em nós. E só se realiza se houver a abertura do mais profundo do nosso ser à ação divina, o que nos torna pessoas novas, sinais e testemunhos deste mundo novo possível e desejado. 
13. Só que a espiritualidade de hoje passa por novos campos de sentido:

  • Espiritualidade sincrética: A espiritualidade catolicizou-se, pentecostalizou-se, umbandicizou-se, etc. Trata-se de uma espiritualidade fetichizada pelo milagre, pela magia e pela emocionalidade individual. 
  • Espiritualidade estética: A espiritualidade estética é meramente ritualista, legalista e meritória (nós, anglicanos gostamos muito de elaborados ritos e cerimônias). Esse modelo de espiritualidade, se não houver a necessária interiorização, predispõe seus praticantes a expressões estéticas de vitrine que gira em torno de aparências cosméticas e teatrais e que pode mascarar o verdadeiro sentido do culto público da Igreja. 
  • Espiritualidade de mercado: O fenômeno religioso que utiliza os instrumentos de mercado. Deus se torna uma mercadoria altamente vendável. É a marketinzação do sagrado. 
  • Espiritualidade ratzingeriana: O Cardeal Ratzinger, atual Pontífice Católico Romano,  declarou que a Igreja e a espiritualidade devem voltar ao que chamou de “a grande disciplina”, o que pode significar uma volta às fontes mais autênticas do cristianismo, ou um retorno às práticas do Concílio de Trento. Não sabemos! 
·   Espiritualidade engajada: Mas como viver a espiritualidade cristã num contexto cultural novo, hipermoderno? O monge Marcelo Barros nos dá uma resposta satisfatória, que já faz parte do Evangelho. Diz ele: “Primeiramente, a pessoa se converte, se apaixona por Deus e escuta o chamado do Cristo e, a partir de então, recebe a missão[5]”. Trata-se de uma espiritualidade pessoal, relacional, contextualizada, inserida no mundo que se chama hoje e teocêntrica.

·     Mas, como alimentar essa espiritualidade genuina, se “Ele tocou a flauta e nós não dançamos (Mt. 11, 16-17)?” E aqui estamos nós! A flauta continua a tocar.... por que continuamos sentados? 


[1] BARROS, Marcelo. O Espírito vem pelas Águas.  Ed. Cebi – Rede, 2002. 
[2] VIGIL,  José Maria. Aunque es de noche. Hipotesis psicoteológicas sobre la hora espiritual de América Latina en los 90,  Envio, Manágua: ed. brasileira pela Paulus, 1996.
[3] J.MARTÍN VELASCO, Metamorfosis de lo sagrado y futuro Del cristianismo, Sal Terrae, Santander, 1998; ANDRES TORRES QUEIRUGA, Somos los últimos cristianos… premodernos?, Qüestions de vida cristiana 190 (1998) 22-28. 
[4] - SEBASTIÃO ARMANDO SOARES, Prefácio do livro “O Espírito vem pelas Águas”, Ed. Cebi – Rede, 2002, p. 8.
[5] BARROS, Marcelo. In Reflexão feita com a CONFERLIDER, encontro dos bispos, padres e missionários da Igreja Episcopal Anglicana em Embu Guaçu, 26 de julho de 2002.

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